11/04/2025 15:10 - Fonte: Arpen - Brasil
Em uma solenidade marcada por emoção, reconhecimento e afirmações históricas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou nesta terça-feira (8) um evento simbólico de entrega de novos registros civis com sobrenomes indígenas. A cerimônia aconteceu no plenário do CNJ e contou com a presença de diversas autoridades, lideranças indígenas e representantes do registro civil.
O evento celebrou a implementação da Resolução Conjunta nº 12, editada em 13 de dezembro de 2024 pelo CNJ, em parceria com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que facilita a retificação de registros civis para a inclusão de nomes tradicionais indígenas, bem como outras informações culturais, como etnia, clã, aldeia de origem e idioma.
O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, abriu a sessão cumprimentando os conselheiros presentes, incluindo o corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, além de representantes do Ministério Público, da OAB e de entidades da magistratura. Também participaram da cerimônia a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, o presidente da Arpen-Brasil, Devanir Garcia, e o secretário nacional da entidade, Gustavo Fiscarelli.
“É com grande satisfação e alegria que anunciamos essa solenidade que busca dar visibilidade à resolução que simplifica a alteração do nome civil indígena, alinhando o registro civil aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do respeito à diversidade cultural e à autodeterminação dos povos originários”, afirmou Barroso. “Não há democracia sem respeito às identidades. E não há respeito às identidades sem o reconhecimento do nome, da origem e da história dos povos indígenas. Essa resolução é um símbolo do nosso compromisso com a dignidade humana e com a justiça social.”
Entregas simbólicas e mudanças históricas
Foram entregues simbolicamente os novos registros civis de Joênia Guapixana Batista da Silva, presidente da Funai; Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; o escritor e vereador de Lorena (SP), Daniel Munduruku; a estagiária do CNJ, Paola Maya Tukano; a secretária nacional de Gestão Ambiental do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Ceiça Pitaguary; o secretário-executivo do MPI, Eloy Terena; e o diretor do Departamento de Políticas Indígenas do MPI, Uilton Tuxá Kanãnahá.
A nova regulamentação permite que a alteração do nome seja feita diretamente nos cartórios, com base em documentos simplificados, como declarações da comunidade ou de organizações indígenas. Além disso, é possível registrar a aldeia ou território de origem, incluir informações na língua indígena e definir a ordem dos sobrenomes conforme os costumes da etnia.
"Este é um momento de celebração dos direitos dos povos indígenas, que agora podem adotar, como nome ou sobrenome, referências à sua origem, à sua etnia e à sua ancestralidade. É, sem dúvida, uma grande responsabilidade para nós, registradores civis, que participamos ativamente da construção e formatação da Resolução Conjunta entre o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público.
Temos pela frente um trabalho enorme, especialmente junto às comunidades indígenas, e os registradores civis do Brasil, aqui representados, sobretudo pelos estados que compõem a Amazônia Legal — onde se concentra uma expressiva população indígena —, demonstram que estamos plenamente capacitados e legalmente incumbidos de realizar essa missão. É nosso dever garantir aos povos indígenas o direito à mudança de nome e à adoção de suas origens históricas. Esses povos originários, que agora têm esse direito formalmente reconhecido, contam com os cartórios de Registro Civil como a instituição encarregada de dar forma legal a essa conquista.
A nossa participação é fundamental. Sem o trabalho dos registradores civis, não haveria a materialização deste direito, que já está consagrado na Constituição Federal. É por isso que estamos aqui: para assegurar que esse direito dos povos indígenas não fique apenas no papel, mas se torne realidade na vida de cada cidadão indígena deste país", ressaltou o presidente da Arpen-Brasil, Devanir Garcia.
Um resgate de 268 anos
A ministra Sônia Guajajara destacou o impacto histórico da medida: “Chegou o tempo da colheita. Agora, vamos colher aquilo que é o resgate e a reparação histórica para os povos indígenas. O direito ao nome, à etnia e à ancestralidade em nossos documentos oficiais, sem tutela e sem racismo.”
Guajajara também fez um forte discurso de resgate histórico, mencionando o apagamento forçado da identidade indígena promovido desde o período colonial, por meio do Diretório Pombalino, lei que proibiu o uso de línguas e nomes indígenas por mais de dois séculos.
“A chamada civilização que veio a bordo dos navios portugueses foi, na verdade, um projeto de poder voltado à escravidão e à anexação territorial. Toda uma estrutura legal foi criada para escravizar, evangelizar à força e apagar os modos de vida dos nossos ancestrais. Hoje, dizemos: não conseguiram. Nós estamos aqui”, declarou.
Registro Indígena: um guia para facilitar o acesso ao direito
Durante a cerimônia, foi lançada a cartilha “Registro Civil Indígena: Guia Explicativo sobre as normas de Registro Civil de Nascimento de Pessoas Indígenas”, material elaborado pela Arpen-Brasil com o objetivo de orientar povos indígenas, lideranças, cartórios e servidores públicos sobre os procedimentos estabelecidos pela nova norma.
A publicação reforça que, a partir da Resolução nº 12, não é mais necessária a intermediação da Funai, do Ministério Público ou de qualquer outro órgão do Estado para que pessoas indígenas realizem alterações em seus registros civis. A declaração da comunidade e o testemunho de terceiros passam a ser documentos válidos, inclusive nos casos de registro tardio de nascimento.
A presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, também celebrou a conquista. “Os nomes indígenas conectam-nos à língua, à tradição, à espiritualidade, à nossa relação com a terra e os ancestrais. Eles são parte de nossa história e cultura”, afirmou, enfatizando que a resolução representa um avanço na reparação histórica e no respeito à autodeterminação dos povos indígenas. “É tempo de mudanças, de reafirmações. O Estado brasileiro tem uma dívida com os povos indígenas, e começa a quitá-la com ações como essa.”
A cerimônia, além de marcar oficialmente o início da importante Semana de Comemorações dos Povos Indígenas, possui uma simbologia muito especial. Ela materializa o que pode ser considerado o mais recente grande avanço normativo em prol dos povos indígenas: a Resolução Conjunta nº 12, publicada em 13 de dezembro de 2024. Com a colaboração ativa do Registro Civil — que integrou o grupo de trabalho ao lado do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público, da Funai e da Defensoria Pública —, foi possível não apenas atualizar a Resolução nº 3, mas também efetivar direitos já garantidos aos povos não indígenas, sempre com um olhar humanizado, inclusivo e respeitoso às tradições e à autodeterminação dos povos indígenas.
Vivenciamos a concretização prática dessa resolução: foram realizadas alterações de nomes e sobrenomes com a inclusão de referências ancestrais, em atos que contaram com a participação de membros da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas e até mesmo do CNJ. Pessoas com ascendência indígena puderam resgatar e reafirmar sua ancestralidade por meio do nome — um elemento de enorme importância simbólica para os povos indígenas.
O Registro Civil não apenas participou ativamente da concepção desse marco normativo, como também ficou responsável pela elaboração e entrega de todo o material orientativo que subsidia a aplicação da resolução. Este material foi reconhecido oficialmente pelo Estado brasileiro, sendo acolhido pelos Poderes Executivo e Judiciário como referência para a divulgação dos serviços.
Sem dúvida, este é um momento de grande honra para nós, registradores civis. Trata-se de uma contribuição sólida e consolidada, que nos enche de orgulho por tudo o que conseguimos entregar até aqui. E seguimos firmes, integrando o grupo de trabalho que tem metas ainda mais ambiciosas para o futuro, com outros temas igualmente relevantes para avançarmos ainda mais. Já podemos afirmar que este resultado nos traz imensa satisfação, por tudo o que representa”, declarou o secretário nacional da Arpen-Brasil, Gustavo Renato Fiscarelli.
Reconhecimento e cidadania
O evento reafirma o compromisso do Poder Judiciário com o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, conforme estabelecido no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, que reconhece suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições.
“A Resolução Conjunta nº 12 representa um marco no processo de reconstrução da cidadania indígena, combatendo séculos de invisibilização e assegurando o direito à identidade”, concluiu o ministro Luís Roberto Barroso.
A solenidade foi encerrada com a exibição de um vídeo institucional que destacou o significado do nome indígena como expressão de história, espiritualidade e pertencimento.