30/10/2023 16:00 - Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen PR
Mateus Afonso Vido da Silva concede entrevista para falar sobre novos provimentos do CNJ
A ideia de uma margem de interpretação e a padronização nacional dos procedimentos, a fim de trazerem mais segurança registral em todo o processo, até a concretização de atos que configuram direito e dignidade à pessoa humana, pautam os novos Provimentos nºs 151, 152 e 153 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
As principais novidades referentes às três normas que incluem o registro de prenome e nome para o natirmorto, a alteração de nome e gênero de pessoas trans no exterior e a alteração de nome e sobrenome, além de outras possibilidades e perspectivas da atividade foram debatidas nesta entrevista com o presidente da Associação do Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado do Paraná (Arpen/PR), Mateus Afonso Vido da Silva.
Confira a íntegra da entrevista:
Arpen PR – Os Provimentos 151, 152 e 153 do CNJ possibilitaram significativas mudanças para os cartórios de registro civil. Quais são as novidades mais importantes para a atividade? Quais foram as motivações e principais objetivos dessas normas?
Mateus Afonso Vido da Silva – Os provimentos tratam, principalmente, da dignidade da pessoa humana. Vamos abordar a especificidade de cada um deles.
Provimento nº 151
Trata, principalmente, da atribuição do nome ao natimorto é questão há muito tempo debatida, na doutrina, na jurisprudência e aqui no estado do Paraná a gente já conseguia fazer esse registro com o nome, mas em outros estados da federação ainda não tinha sido regulamentado. Então esse provimento padroniza essa possibilidade de colocarmos o nome no natimorto trazendo, principalmente, a dignidade da pessoa humana naquele triste acontecimento, mas que a pessoa tenha ao menos a dignidade de poder registrar aquele natimorto com o nome da família e com o prenome. E ainda, como antigamente era proibido em alguns locais a atribuição de nome, o provimento traz essa possibilidade de você fazer essa nova indicação do nome no registro. Muitas vezes era colocado como ignorado, como natimorto ou como sem nome, e hoje você pode, mediante uma solicitação no cartório, fazer essa averbação para que conste esse prenome, trazendo a dignidade mesmo depois que já foi feito o registro.
Se, por exemplo, você teve um natimorto, foi lá no cartório há dois anos e não pôde colocar o nome, então agora você vai poder voltar nesse cartório e falar que quer fazer uma averbação para constar o nome daquele filho que faleceu. O natimorto é registrado no livro C, então é constada aquela informação para fechar aquele ciclo. O provimento assegura aos pais de todo o Brasil o direito a averbação do nome no registro de natimorto, anteriormente lavrado sem essa informação. Então, essa é a grande inovação, essa possibilidade de ser feito esse registro, tudo baseado na dignidade da pessoa humana.
Além disso, no provimento 151 foi inserido um procedimento, que é judicial, para atribuição do registro daquelas crianças que não tem o registro. Trazendo, principalmente, a possibilidade e obrigatoriedade de constar o nome. O nome que aquela criança ou aquele adolescente já utiliza, dando dignidade para essa pessoa com o registro. É uma orientação para o juiz que ao receber uma criança e ao fazer a busca descobre que a criança não tem nome, não tem registro, é preciso que seja feito o registro. Na prática, o que acontece é que os registradores cumprem uma ordem do juiz. O juiz expede um mandado de registro, então simplesmente cumpre. O juiz vai falar para o oficial fazer o registro no livro de nascimento daquela pessoa, com a maior quantidade de elementos que tiver, das características que auxiliem numa futura identificação.
Essa padronização vem com o objetivo de que os mandados cheguem aos oficiais de forma mais completa, principalmente com um nome. O provimento vem para que o juiz faça o registro com a maior quantidade de dados possíveis. Nos casos de crianças abandonadas, é preciso que haja consulta na CRC, consulta nos bancos de dados, veja se essa criança tem algum registro, se não é uma criança desaparecida. E em casos de abandono, é preciso dar dignidade àquela criança, ela precisa de um nome se for acolhida e esperar para adoção, por exemplo. Então, neste caso, a gente simplesmente cumpre. Se uma criança foi abandonada, já com o registro vai para uma família substituta, depois cancela esse registro e faz outro. São regras para que os juízes cumpram, que tragam dignidade àquela pessoa.
Provimento 152
O provimento 152 trata da questão da alteração do prenome e gênero do transgênero. E aqui tem duas grandes novidades. A primeira novidade é a utilização do módulo e-Protocolo no processo. Então, a pessoa pode ir em qualquer serventia, fazer esse pedido e caberá o pagamento do procedimento, tanto para quem faz o pedido tanto para aquele cartório que recebe o pedido. Podendo utilizar, inclusive, o consulado para fazer os pedidos. Agora há essa possibilidade de fazer no exterior, que muitos transgêneros moram no exterior.
Outra questão importantíssima é a possibilidade de inscrição do brasileiro naturalizado no Livro E. Porque antes desse provimento, o brasileiro naturalizado tinha um simples papel. Agora a pessoa vai poder fazer o registro dessa portaria no Livro E, depois averbar, se for o caso, a alteração de prenome e gênero. O brasileiro naturalizado passa a ter a inscrição no registro civil e uma certidão do registro civil, que não tinha antes. Então, essa que é a grande possibilidade e essa questão de se poder fazer fora do Brasil, que a gente vai integrar na CRC, com todos os consulados e eles futuramente farão parte do Serp.
Também fala do módulo de e-Protocolo, então não é só para alteração de prenome e gênero. A utilização do módulo e-Protocolo decorre de procedimento iniciado pelo requerente perante a serventia adversa da competente para o ato, caberá o pagamento dos emolumentos respectivos a todos os registradores envolvidos, ou seja, imagina que a pessoa está lá em Foz do Iguaçu, no meu cartório, só que o registro é de Curitiba, então ela vai pagar o meu serviço e pagar o serviço de Curitiba. Ficou regulamentado isso, porque os dois têm trabalho, um recebe a informação, encaminha pela central e o outro faz o ato. Então, a grande questão do 152 é a possibilidade de inscrição da naturalização no livro E, aqui no Paraná, na última alteração do código de normas, por sugestão da Arpen PR, já tinha incluído a naturalização também, como ato passivo de registro no Livro E. O Paraná acaba sempre na vanguarda, fazendo o que depois é regularizado nacionalmente.
Provimento 153
Na alteração de nome do transgênero não consta a averbação na certidão de breve relato, pois é sigilosa aquela averbação, já na certidão da alteração do prenome pela lei 14.382/22 essa informação consta na averbação para que tenha a segurança que a até aquela data, a pessoa usou um determinado nome e a partir daquela data, usou outro nome. O que o provimento 153 fez foi estabelecer as regras gerais dessa alteração do prenome, essa possibilidade de alteração do prenome, trazendo essa segurança jurídica para essa alteração. A regulamentação do CNJ, que a lei não trazia, era a necessidade da juntada de certidões que era necessário para os trans. Então, a comunidade trans questionou “se a pessoa consegue mudar o nome sem apresentar as certidões constantes no Provimento 73, a gente não precisa de certidões também para mudar”, mas a regulamentação é sempre baseada na segurança jurídica e no combate a possíveis fraudes. Então, o CNJ trouxe a necessidade de juntar essas certidões como é feita com os transgêneros para a alteração do prenome. Na alteração do prenome, é preciso a apresentação de certidões de distribuição dos últimos cinco anos, comprovando que você não tem nenhum problema, não está fraudando alguma coisa.
Importante na alteração do prenome é que essa alteração tem que ser feita pessoalmente, então a gente crava que é a própria pessoa que tem que fazer. Não é admitida a representação por procuração no caso de alteração do prenome, no caso de alteração do sobrenome naquela linha, que é um pouco mais fácil, aí é possível a representação por procuração, por instrumento público lavrado a menos de 90 dias. É bem simples o procedimento e juntando as certidões é feito na hora.
Tanto o 151 como 152, 153 vão integrar o provimento de 149, que é o código de normas nacional, e ele traz aqui um modelo de requerimento para alteração do prenome e fica bem fácil fazer essa alteração, isso já estava sendo feito sem problemas nenhum, bem tranquilo.
Arpen PR – Além de as normas concretizarem a personalidade jurídica da pessoa humana, como se dará na prática os serviços exercidos no cartório e como deve ser a atuação dos registradores para o cumprimento das normas?
Mateus Afonso Vido da Silva – A Arpen-Brasil, antes mesmo da regulamentação do CNJ, já publicou uma cartilha orientativa para que todos os oficiais tivessem um norte com a aplicação da lei 14.382 que era novidade até então. E lá já trazia essa necessidade de trazer essas certidões. A própria associação, para autorregulamentação fez essa exigência.
Então, não mudou muito desde a cartilha da Arpen, a gente já vinha fazendo dessa forma, o que muda é que aqui no Paraná já tinha tido uma decisão na alteração do sobrenome que precisava também das certidões, e isso o CNJ agora não dispensa, porque a alteração do sobrenome é mais tranquila. Então, assim, em virtude de inclusão de sobrenome familiar, alteração da dissolução conjugal, coisas mais pontuais, sem a necessidade de todas aquelas certidões.
Arpen PR – Qual a importância destas novidades, principalmente para a população?
Mateus Afonso Vido da Silva – O registro civil corre atrás da sociedade. Então, assim, é o direito correndo atrás do que já está acontecendo na sociedade. É a pratica do Direito. A sociedade muda, os conceitos mudam e o registo tem que refletir a realidade daquela pessoa. Se a pessoa é trans, ela tem que ter o seu registo de acordo com o que ela é, se a pessoa não se sente bem com determinado nome, ela tem que poder trocar esse nome, que às vezes ela não gosta, que expõe ela ao ridículo. Se for o caso, ela pode também trazer um sobrenome, por exemplo, de um avô, de um padrasto. Então, é o reflexo da sociedade, da evolução da sociedade, que acaba sendo feito sempre no registro civil. Começa com o casamento homoafetivo, alteração de prenome e gênero, reconhecimento de paternidade socioafetiva, na verdade, não é que foi criado isso, já existia na sociedade, é regulamentado e acaba acarretando essa alteração no registro civil. E o registro civil faz com que expresse a realidade daquele momento mesmo, sendo fidedigno e não um simples registro, que não tem correspondência com o que a pessoa é e vive.
A importância para a população é que desburocratiza e desjudicializa um procedimento que antes demorava muito e hoje é simplificado no cartório.
Então, uma alteração de prenome e gênero, por exemplo, que só era feita na justiça, hoje é feita rapidamente em uma serventia extrajudicial. Sem os custos de um advogado, de custa processual e toda a demora, porque o judiciário está superlotado, e no cartório faz na hora. Mesma coisa da alteração do prenome e sobrenome que antes só era possível com decisão judicial. A gente desafoga o judiciário e traz dignidade rapidamente para aquela pessoa.
Arpen PR – Haverá alguma atuação da Arpen PR para fomentar a concretização das normas? Quais serão os próximos passos?
Mateus Afonso Vido da Silva – A sociedade é dinâmica, então sempre teremos novos provimentos. A Arpen tem um trabalho fundamental de orientar assim que sai algum provimento e acredito que o grande trabalho que a gente faz é com a publicação das cartilhas. Tivemos a cartilha da 14.382, que foi uma cartilha excelente para esclarecimento sobre a alteração do nome, registro da união estável, dissolução da união estável. Agora, a gente está para atualizar essa cartilha da união estável para mostrar para os colegas como é feito, o que não fazer, trazer essa questão da naturalização também. O objetivo é sempre trazer informação para os colegas e, além disso, continuar fazendo os eventos que a gente faz, os congressos e seminários e as lives, por exemplo, que são muito importantes. Compartilhar conhecimento, trazer o porquê está sendo feito, como foi pensado, porquê foi pensado de uma determinada maneira, porquê não foi pensado de outra maneira.
A gente tem que lembrar que o CNJ também recebe vários expedientes e cada um querendo regulamentar de uma maneira, pensando de uma forma, e cabe a eles mesmos trazerem essa regulamentação. A gente fica muito feliz quando por ter uma regulamentação nacional para evitar essas diferenças que existem nos estados, porque se eu tenho uma normatização no meu estado e o colega não tem no dele, às vezes eu mando procedimento para ele e ele vai exigir uma outra coisa. Então, essa padronização nacional é muito importante e a gente fica muito feliz com o trabalho do CNJ sistematizando os provimentos e tratando das questões rapidamente para que a gente consiga dar efetividade.
Pensando no que está por vir, a regulamentação do Serp é uma questão muito importante. A conciliação e mediação precisa ser atualizada para que todos os cartórios comecem a fazer efetivamente. Além disso, a gente tem que desenvolver os convênios que a gente tem trabalhado, os convênios do ofício da cidadania. Acredito que esses são os próximos passos que tanto à Arpen-Brasil, quanto o CNJ estão atentos.
Acredito que a padronização seja o futuro, eu vejo assim. Cada vez crescendo mais o código de normas nacional e cada vez a regulamentação tem que ser nacional, porque a gente está partindo para um modelo de registro eletrônico nacional, então não dá para ter diferença na forma de conduzir nos diferentes estados. O operador nacional do registro civil tem que regulamentar as questões nacionalmente. Observando sempre a diferença em cada estado, mas tentando padronizar, isso é o futuro.
Pensando nesse ambiente de interoperabilidade, é mais do que necessário partir para uma padronização. Se eu estou em Foz do Iguaçu, eu posso solicitar um procedimento para algum cartório no nordeste, no sul, então assim tem que ser a mesma norma para que a gente crie segurança jurídica para o usuário e dê a informação correta para ele. Se eu fui procurado por uma pessoa trans, por exemplo, ou tenho que dar todas as informações corretas para que ela tenha seu direito satisfeito. Então eu tenho que dar essa informação precisa. Então, acho que cada vez mais essa normatização nacional tanto do CNJ, quanto do operador nacional, quanto das entidades nacionais são muito importantes.