O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que admitiu a coexistência de paternidade socioafetiva e biológica, ou seja, a multiparentalidade, ocorrido no fim de setembro, no qual o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) atuou como amicus curiae, começa a vincular decisões de tribunais brasileiros. Em Paraíso do Tocantins, cidade localizada a cerca de 75 quilômetros de Palmas – capital do Tocantins –, foi determinado o acréscimo do nome do pai socioafetivo no registro civil de uma pessoa. Agora, portanto, os documentos da autora da ação exibirão os nomes de ambos os pais (socioafetivo e biológico). A decisão é pioneira no Estado do Tocantins.
O juiz Océlio Nobre da Silva afirmou, na decisão, que o pai – socioafetivo – e a filha foram capazes de provar, na ação, “o sentimento recíproco de filha e pai, manifestado através do carinho, amor e cuidados materiais e imateriais”. Ainda de acordo com ele, “é lícita a pretensão dos requerentes, que afirmam e comprovam a existência e o desfrute público da condição de pai e filha, independentemente de vínculo biológico. São dados que já integram a sua identidade social, cabendo ao direito apenas reconhecer e proteger”. Com isso, foi determinada também a mudança do sobrenome da autora, bem como a inclusão dos respectivos nomes dos avós paternos.
“Fiquei muito feliz quando soube da decisão da multiparentalidade em Paraíso-TO, sendo esta bastante acertada. Na minha opinião, o Dr. Océlio Nobre da Silva, com uma visão mais humanística do Direito de Família, deu o primeiro passo no Estado do Tocantins, logo após a aprovação da tese (Repercussão Geral 622), para que não só essa, mas outras decisões enxerguem as partes de uma maneira diferenciada, não se concentrando somente na letra ‘fria’ da lei”, opina a advogada Alessandra Muniz, presidente do IBDFAM do Tocantins.
Ainda de acordo com ela, num cenário em que há a possibilidade de pluralidade de vínculos parentais, os operadores do direito devem estar atentos à realidade, trazendo à tona uma acomodação jurídica que cada caso concreto requer, “não se esquecendo, no entanto, de que, apesar de tão dinâmica a mudança nas relações familiares, o afeto e o amor hão de prevalecer”. Muniz, que é a favor da equiparação da parentalidade socioafetiva em relação à biológica, explica tratar-se de uma questão delicada, “pois se rompem dogmas antigos, dentre eles de que cada pessoa só tem uma mãe e um pai, o que para uma sociedade moderna e dinâmica já não é mais possível, haja vista os diversos arranjos familiares em que a afetividade deve predominar”.
A luta em prol do reconhecimento da multiparentalidade
“O IBDFAM tem seu papel primordial na luta do reconhecimento da multiparentalidade, atuando na Ação (RE898060-SC) como ‘amicus curiae’ em julgamento recente no Supremo Tribunal Federal, o que o torna uma instância qualificada para debates de assuntos dos mais diversos e polêmicos na área do Direito de Família”, afirma Alessandra Muniz. Para a advogada, o IBDFAM está sempre presente para ajudar nas decisões de temas complexos, e as teses levantadas pelo Instituto são bem aceitas e citadas em diversas decisões jurídicas por todo o Brasil.
Segundo Muniz, a decisão do tribunal do Tocantins consolida o vínculo socioafetivo em igual grau de hierarquia jurídica, bem como a admissão da tese da multiparentalidade – duas grandes bandeiras levantadas pelo IBDFAM, amplamente discutidas e materializadas por meio da análise da Repercussão Geral 622. “A luta não cessa por aqui. Citando o professor Ricardo Calderón, o qual sustentou oralmente o feito representando o IBDFAM no STF, este vê a tese como um avanço, apesar de algumas críticas. É por isso que o Instituto está aí, e há quase duas décadas revoluciona o Direito de Família brasileiro”.