23/09/2016 12:27 - Fonte: ConJur
O Supremo Tribunal Federal publicou na terça-feira (20/9) o acórdão do Mandado de Segurança no qual definiu que a contadora Claudia Sobral deixou de ser brasileira ao naturalizar-se norte-americana. Claudia está no Brasil desde 2007, mesmo ano em que passou a ser procurada como principal suspeita pelo assassinato de seu segundo marido, o piloto da Força Aérea dos Estados Unidos Karl Hoerig. Desde então, o governo americano tenta sua deportação (clique aqui para ler reportagem sobre o caso).
A decisão foi tomada pela 1ª Turma, por 3 votos a 2, no dia 20 de abril deste ano. Venceu o voto do relator, o ministro Luís Roberto Barroso. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Luiz Edson Fachin.
O MS questionava portaria de julho de 2013 do Ministério da Justiça que declarou a perda da nacionalidade brasileira de Claudia. Segundo o MJ, ao se naturalizar americana, a contadora abriu mão de sua naturalidade brasileira, nos termos do artigo 12, parágrafo 4º, inciso II, da Constituição Federal.
De acordo com o dispositivo, deixa de ser brasileiro quem “adquirir outra nacionalidade”. Há duas exceções: se a lei do país em questão reconhecer a nacionalidade brasileira originária ou se houver a imposição de naturalização pelo país estrangeiro.
Segundo a defesa de Claudia, feita pelo advogado Floriano Dutra Neto e pelo ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Adilson Macabu, ela está em uma das exceções constitucionais. Com a publicação do acórdão, os advogados já estão preparando os embargos de declaração, que serão apresentados em breve.
Formada em contabilidade, ela alega que, nos Estados Unidos, só norte-americanos podem exercer a profissão, de nível superior. E, como havia se separado do primeiro marido, um médico, precisou voltar a trabalhar.
Entre 2007 e 2013, o governo brasileiro explicou diversas vezes ao governo americano que Claudia não poderia ser deportada, já que a perda da nacionalidade de um nacional é prerrogativa do Brasil, e não do país interessado na extradição. E ela não poderia ser extraditada por ter nascido no Brasil.
Mas em julho de 2013, o MJ passou a considerar que Claudia deixara de ser brasileira ao se naturalizar americana, o que fez em 1999. E aí ela passou a ser ré num processo de extradição.
Competência
O ministro Barroso concordou com o posicionamento do MJ, que também teve o apoio da Procuradoria-Geral da República. Inicialmente, o mandado de segurança havia sido impetrado no Superior Tribunal de Justiça. O artigo 105, alínea “b”, da Constituição diz que cabe ao tribunal o julgamento de mandados de segurança impetrados contra atos de ministros de Estado.
No entanto, Claudia não se encaixa nesse caso. Em seu voto, ele citou um precedente segundo o qual cabe ao STF julgar Habeas Corpus impetrados contra o ministro da Justiça se o autor for um estrangeiro que tiver por objetivo trancar um pedido de extradição. O precedente é o HC 83.113, de relatoria do ministro Celso de Mello, julgado pelo Plenário do Supremo em 2003.
Como Claudia também tenta barrar sua extradição para os EUA, no entendimento de Barroso, ela se enquadra na definição dada pelo ministro Celso no HC de 2003. Embora ela só tenha se tornado estrangeira em decorrência da portaria do Ministério da Justiça que é objeto do Mandado de Segurança em questão.
Suspeita
O ministro Fachin foi o primeiro a divergir do relator. Segundo ele, Claudia é suspeita de ter cometido um crime pelo qual até hoje não foi sequer denunciada formalmente. Fachin argumentou citando o parecer dado pelo Ministério Público Federal quando caso tramitava no STJ, antes de ser avocado pelo Supremo.
Segundo o texto, Claudia não deve perder a nacionalidade brasileira, mas, se o governo insistisse na posição, deveria ter dado a ela opção de continuar ou não americana. Mas “jamais declarar a perda da nacionalidade brasileira pelo simples fato de a estrangeira ter sido adquirida posteriormente”, diz o parecer do MPF.
Fachin, então, conclui que o inciso LI do artigo 5º da Constituição diz que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado”. “Estamos no campo dos direitos e garantias fundamentais, que, em meu modo ver, tem uma posição destacada na ambiência da Constituição. E, ademais, ao estatuir "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado", a hipótese não contempla essa exceção de que estamos a tratar aqui”, concluiu Fachin.
Barroso depois disse que Claudia não se enquadra no inciso LI porque, “por livre e espontânea vontade, adquiriu a nacionalidade americana, o que importa na automática renúncia à nacionalidade brasileira”. “Dessa forma, a nossa divergência é que eu considero que esta senhora não é brasileira, porque perdeu a nacionalidade brasileira, decretada, válida e legitimamente.”
Sem exceção
O ministro Marco Aurélio foi o outro voto vencido. Para ele, o Supremo não poderia julgar a matéria, já que a Constituição dá ao STJ a competência para julgar mandados de segurança contra atos dos ministros de Estado. “Não posso estabelecer exceção, sob pena de reescrever o texto constitucional, onde ele não excepciona”, disse.
Barroso disse que há precedentes que autorizam a competência do Supremo. “Precedente encontramos para todos os gostos”, respondeu Marco Aurélio. “A existência – a não ser que partamos para a observância da máxima magister dixit – de precedente não me leva a fechar a Carta da República, embora seja do próprio Supremo Tribunal Federal.”
O ministro depois complementou o voto para dizer que o direito à condição de brasileiro nato é indisponível. Ele reconheceu que o posicionamento coloca em conflito o inciso LI do artigo 5º e o artigo 12, parágrafo 4º, especialmente a alínea “b”, segundo a qual o brasileiro não perde a nacionalidade se a lei estrangeira reconhecer a dupla nacionalidade.
“Será que a ordem jurídica constitucional brasileira se submete, em termos de eficácia, a uma legislação estrangeira?”, provoca Marco Aurélio. “Não posso fazer a leitura da cláusula, chegando a uma submissão. Repito: a perda da nacionalidade brasileira nata não fica submetida ao fato de uma lei estrangeira deixar de reconhecer essa mesma nacionalidade.”
MS 33.864
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