05/01/2016 15:58 - Fonte: ConJur
Foi notícia em outubro a escritura pública de união estável entre três mulheres lavrada no 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro. Não bastasse a invalidade dessa escritura e a ausência de efeitos familiares e sucessórios dessa união, surgem agora diversas notícias acerca da pretensão do trio de gerar um filho por meio da reprodução assistida. Diante da não admissão da multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro, tal registro triplo de maternidade seria inviável, até mesmo independentemente da invalidade dessa escritura.
É elogiável a abertura dada pela norma constante no artigo 1.593 do Código Civil, segundo a qual é possível o reconhecimento de parentesco socioafetivo ao lado daquele decorrente da consanguinidade e da adoção.
No entanto, essa cláusula geral precisa ser devidamente interpretada, sob pena de banalização da relação de parentesco socioafetivo. É preciso que se deixe claro que tal abertura não implica a permissão da multiparentalidade.
Sem maiores reflexões, poder-se-ia considerar que não haveria prejuízo para o filho nesse registro, afinal de contas, a criança poderia pleitear pensão alimentícia de três mães e teria direitos sucessórios aumentados.
No entanto, há prejuízos a serem considerados. A guarda do filho menor de idade poderia ser disputada entre as três ou, em eventual fim de relacionamento, também pelos eventuais futuros parceiros que com a criança viessem a estabelecer parentesco socioafetivo. Imagine-se que essa criança, após três casamentos de cada uma das mães, viesse a ser disputada pelas três e por mais três padrastos ou madrastas, com os consequentes danos de se tornar o centro de conflitos entre os vários interessados em sua guarda.
Não se pode esquecer também que o filho, quando maior de dezoito anos, teria o dever de prestar pensão alimentícia a três mães, que dividiriam entre si os direitos sucessórios do filho.
Ademais, em caso de fim de relacionamento, a multiparentalidade seria um duplo incentivo ao ócio. Por um lado, incentivaria o ócio do filho, que não se esforçaria para obter o próprio sustento, uma vez que seria sustentado, no caso, por três mães; e, até mesmo, poderia incentivar o ócio da genitora que ficasse com a guarda, pois esta não se esforçaria para obter o sustento do filho, já que existiriam outras duas alimentantes.
A multiparentalidade, assim como a uniparentalidade, são um desestímulo às próprias técnicas de reprodução assistida, pois aumenta a tendência à busca, pelo filho, da figura do pai biológico. Na multiparentalidade, o filho de três mulheres, por razões óbvias, terá o desejo de saber sua origem genética paterna. Na uniparentalidade, o filho de uma única mulher, igualmente, terá essa vontade. Afinal, em ambas as hipóteses, seria um ser humano curioso por saber quem é a figura masculina que deu origem ao seu nascimento. Portanto, o doador do sêmen, que é o pai biológico, correria o risco de ver-se vinculado à prole, talvez com todos os direitos e deveres daí decorrentes.
Vale lembrar que não existe norma na legislação federal que regulamente as técnicas de reprodução assistida, mas somente normas da deontologia médica, que sequer têm eficácia erga omnes, como demonstrado no títuloGrandes temas de direito de família e das sucessões (São Paulo: Saraiva, v.2), livro de nossa coordenação, juntamente com Theodureto de Almeida Camargo Neto.
A jurisprudência também rejeita o triplo registro, pois se volta à prevalência, a depender do caso concreto, de uma das espécies de paternidade ou maternidade – socioafetiva ou biológica. Em recente recurso especial (REsp 1.333.086-RO), o Superior Tribunal de Justiça rejeitou a multiparentalidade e indeferiu o duplo registro de paternidade.
Em suma, a pretensão do trio de obter o registro triplo de maternidade, se efetivada, geraria graves prejuízos à prole, que devem ser evitados.