A Justiça Catarinense reconheceu o direito de um adolescente de ter os nomes dos pais biológicos e do padrasto em sua certidão de nascimento. A "ação de dupla filiação paterna" foi ajuizada em 2014 pelos genitores, em nome do filho, e pelo padrasto, que é casado com a mãe do rapaz há cinco anos e com quem o adolescente tem relacionamento como pai, devido à boa relação que possui com ele há anos.
Todos foram ouvidos em audiência e concordaram com a solução. O genitor, inclusive, afirmou que o filho possui vínculo suficiente com seu padrasto para o reconhecimento da relação socioafetiva e acrescentou que tem um bom relacionamento com seu filho e com os demais.
De acordo com a decisão, o sistema legal vigente especifica que o seio familiar é composto por pai, mãe e descendentes. No entanto, o Direito precisa avançar para se adaptar aos novos anseios sociais.
"Em tempos em que há uma conjugação de esforços de toda a sociedade contra a alienação parental, pedidos de mutiparentalidade para quem possui dois pais ou duas mães merecem o devido acolhimento pelo Poder Judiciário. A coexistência do vínculo biológico e do afetivo bem evidencia que os envolvidos transcenderam a um nível de espiritualidade e alteridade ímpar, em que o descendente é tratado como sujeito de direitos. Não seria razoável que o filho tivesse que escolher entre a paternidade biológica ou afetiva, quando os dois pais ocupam tal função, de forma meritória, em sua vida".
Para o desembargador Raduan Miguel Filho, presidente do IBDFAM/RO, a decisão representa o reconhecimento do Judiciário à evolução das relações sociais, familiares e afetivas para além das definições legais. “Mudando-se paradigmas de que podemos ter apenas um pai e uma mãe, o reconhecimento da concomitância de parentescos em linha ascendente, e de mesmo grau, representa mais um grande avanço no Direito de Família”, diz.
Segundo ele, percebe-se que o Poder Judiciário está atento às transformações sociais, e “o reconhecimento judicial da multiparentalidade certamente servirá de 'mola propulsora' para um processo legislativo de reconhecimento dessa situação fático/jurídica”, diz.
Raduan explica que o parentesco concomitante, consequência da multiparentalidade, traz ao beneficiário o efeito jurídico da “concomitância de direitos”, ou seja, direito de postular alimentos de ambos os pais ou ambas as mães, e uso do patronímico familiar de todos os pais, divisão do poder parental, e, principalmente, direitos no plano sucessório.
“É claro que se o legislador não buscar disciplinar o assunto com maior rapidez, caberá à função jurisdicional resolver questões que hoje possam nos parecer absurdas ou complexas. Penso que, mais uma vez, a responsabilidade do Judiciário é chamada à prova no apaziguamento e solução de conflitos sociais que se apresentar, disciplinando e limitando efeitos advindos do reconhecimento de concomitância de parentesco”, diz.