A Suprema Corte de Cassação da Itália decidiu que, para mudar de sexo no papel, o transexual não precisa fazer nenhuma cirurgia. Basta comprovar que se sente de um gênero diferente do seu corpo. Assim, uma pessoa com o corpo de um homem pode ser identificada nos documentos oficiais como mulher, e vice-versa.
No Direito Comparado existe o reconhecimento dos direitos dos transexuais, seja por via administrativa, judiciária ou legislativa. As legislações sueca, alemã, holandesa, italiana, espanhola, britânica, uruguaia e de alguns estados no Canadá e nos Estados Unidos, consagram os direitos dos transexuais. Igualmente o reconhecem, por outras vias, Dinamarca, Finlândia, Noruega, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, Turquia, Portugal, França, Peru e Colômbia, entre outros.
No Brasil, há muito se discute a possibilidade da mudança de nome antes ou até mesmo sem que seja necessária a cirurgia de mudança de sexo. Esse entendimento será defendido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), na qualidade de amicus curiae (amigos da Corte) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 670422), ainda sem data definida, que vai discutir se os transexuais têm direito de mudar o nome no registro de nascimento, mesmo que ainda não tenham se submetido à cirurgia de redesignação sexual. Atualmente, a falta de regra divide os Tribunais, com decisões que admitem a possibilidade, e outras, que condicionam a alteração do nome à realização da cirurgia.
A produtora musical e professora de canto Yamê Aram espera há sete anos pelo dia em que vai ver na certidão de nascimento o nome que corresponde à sua identidade. “Ser uma mulher transexual com um nome de homem em seu documento é humilhante. Todas as vezes que tenho que apresentar minha carteira de identidade chego a suar de vergonha, porque o nome que está lá não me nomeia, não diz nada sobre mim. Tenho trinta e quatro anos, me chamo Yamê Aram, e ainda carrego nos documentos um nome que me faz passar constrangimento quando vou fazer check-in no aeroporto, entrar numa boate, ser chamada para uma consulta médica e em muitos outros momentos horríveis que nós, transexuais femininas e masculinos, passamos no nosso dia a dia, e não vejo o momento de poder olhar para os meus documentos e ver que o meu nome, Yamê Aram, quem em sou, estar lá”.
Depois de tentar obter informações junto ao Fórum, Policia Civil e pelos telefones da Procuradoria de Belo Horizonte, em vão, um programa que oferece acesso aos benefícios da Justiça para a comunidade a está ajudando a reunir a documentação necessária para ingressar com o processo de retificação de registro na Justiça, o que deve acontecer até o próximo mês. “O maior problema para dar início ao processo é o total desconhecimento por partes dos órgãos competentes em nos informar como devemos iniciar o processo ou a quem devemos procurar”, disse.
Ela considera desumana a exigência da cirurgia de transgenitalização para a retificação de registro. “A necessidade da mudança de sexo como condição para a retificação do nome é desumana, pois mesmo no caso da travestilidade o nome de registro traz grande sofrimento e constrangimento. Nossa luta é para que nossos gêneros sejam reconhecidos e respeitados pela Justiça. Impor a mudança de sexo como condição para a retificação do nome é negar a todas as travestis e transexuais que não iriam operar o direito de terem seus nomes reconhecidos pela Justiça de nosso país”, reflete.
O IBDFAM entende que a cirurgia de mudança de sexo é uma escolha, e não uma imposição, visto que a vontade de alteração do sexo independe de cirurgia da transgenitalização, pois envolve fatores psíquicos, devendo prevalecer a busca pela felicidade, privacidade, não intervenção estatal, intimidade, igualdade, autodeterminação e liberdade em prol do moralismo e do conservadorismo, que já evidenciaram diversas injustiças, conforme texto do protocolo enviado ao STF: “o ato cirúrgico de redesignação sexual, por si só, não modifica a formação genética de uma pessoa, apenas concretiza uma correção no sexo das pessoas ‘aprisionadas’ pela ‘anatomia invertida’”.