Aos 15 anos, Yasmin realizou seu sonho: obter o nome do padrasto, a quem considera seu verdadeiro pai, em sua certidão de nascimento. Seu pai biológico, que faleceu quando ela tinha um ano de idade, não a registrou e ela foi criada pelo padrasto, com quem sempre cultivou uma relação paterna. O registro tardio foi possível graças a um mutirão realizado pelo programa Meu Pai é Legal, da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) – nome local dado ao programa Pai Presente, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O programa Meu Pai é Legal tem o objetivo de estimular o reconhecimento de paternidade em pessoas que não o possuem em seu registro de nascimento, baseado nos Provimentos 12/2010 e16/2012 da Corregedoria do CJN, que por sua vez têm por base a Lei Federal 8.560, de 1992, e o artigo 226 da Constituição Federal, que assegura o direito à paternidade. As normas da Corregedoria Nacional de Justiça instituíram um conjunto de regras e procedimentos para agilizar este tipo de demanda, possibilitando que os juízes notifiquem as mães de crianças que não possuam o registro paterno para que informem os dados do suposto pai. Com esse dado, o magistrado pode iniciar um procedimento de investigação oficiosa de paternidade.
No Espírito Santo, de acordo com dados do Ministério da Educação (MEC), existiam, em 2010, cerca de 75.000 crianças e adolescentes matriculados na rede pública de ensino sem a paternidade reconhecida. Em 2012, quando começou o programa, foram notificadas mães de alunos de dez escolas públicas na capital, Vitória, que não possuíam o registro paterno. A medida resultou em 124 atendimentos e 15 reconhecimentos realizados. Este ano, já foram realizados 14 reconhecimentos em escolas e outros nove em presídios, por meio da indicação de paternidade feita por internos.
Yasmin foi uma das atendidas pelo programa capixaba, por meio de um comunicado que seguiu em sua agenda escolar. De acordo com sua mãe, Marisnilda Siqueira, o pai biológico não realizou o registro enquanto era vivo pois tinha outra família e o padrasto de Yasmin, com quem é casada há 14 anos e teve outras duas filhas, sempre tratou a menina como filha legítima. “Yasmin soube que não era filha biológica dele aos sete anos, mas disse: ele é meu pai e não aceito ninguém no lugar dele”, conta Marisnilda. De acordo com ela, não ter o nome do pai em sua certidão deixava-a muito chateada. “Quando chegamos com a nova certidão, ela ficou muito feliz e confiante para seguir com seus outros sonhos, que é terminar os estudos e trabalhar em Contabilidade”, conta a mãe.
Reconhecimento voluntário - Obter o reconhecimento do pai de seu filho de cinco anos era uma das coisas mais importantes para Duda Borges, que mora em Fortaleza (CE). Por meio do programa Pai Presente, ela conseguiu encontrar o homem, que fez o reconhecimento sem necessidade de levar o caso à Justiça. "O reconhecimento de paternidade era tudo o que queria. Meu filho é o presente que Deus me deu, me machucava ver que ele não tinha o sobrenome do pai no registro de nascimento. Hoje, eu agradeço a Deus por tudo ter acontecido de forma espontânea e saber que meu filho carrega não só meu sobrenome, mas o do pai dele também". Segundo dados da Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará, até julho foram contabilizados 5.440 reconhecimentos voluntários e 603 por meio de exames de DNA, no estado.
Uma das razões para a falta de registro paterno na certidão de nascimento é o fato de o pai residir em outro país e, ao retornar, o registro já ter sido feito. Essa situação também pode ser corrigida, como aconteceu com Antônio Pereira, chefe de garçom, que estava em um relacionamento instável e fora do país a trabalho quando seu filho nasceu, há doze anos, em Goiás. “Sempre foi meu filho e, inclusive, morou comigo por um tempo e ele tinha o sonho de ver meu nome em sua certidão”, conta Antônio. Há cerca de um ano, a família, que acaba de ganhar outro filho, recebeu uma carta da escola convidando Antônio para fazer o registro tardio. “Não pude comparecer na época, mas, assim que voltei ao país, fui ao fórum e o registro foi feito”, conta.
Vergonha da certidão – Para a promotora de Justiça de Defesa da Filiação Renata de Salles Borges, que coordena o programa Pai Legal do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), muitas pessoas que procuram o órgão para realizar o registro tardio de paternidade confessam que tiveram vergonha por toda a vida, especialmente quando não sabem o nome do pai e passam por situações em que precisam preencher documentações como, por exemplo, ao iniciarem um novo emprego. “É um direito básico da pessoa saber as suas origens. Procuramos fazer acordos para o reconhecimento voluntário e evitar a judicialização. Apenas cerca de 15% das demandas vão parar na Justiça, quando o pai resiste em fazer o exame”, conta a promotora Renata.
No Distrito Federal, o programa Pai Legal acontece desde 2002 com atuação em quatro frentes: com informações passadas por cartórios, escolas, presídios e por meio de dados repassados pela Secretaria de Segurança Pública em caso de emissão de registro de identidade para menores de 18 anos em que não consta o nome do pai. De acordo com a promotora Renata, no caso dos presidiários, o reconhecimento de paternidade é fundamental para que as crianças possam receber o auxílio-reclusão.
No primeiro semestre de 2015, foram 973 atendimentos em cinco edições do programa Pai Legal. Desse total, 127 casos foram solucionados de imediato e os demais estão sendo acompanhados, a fim de que o pai seja localizado e as crianças possam ter seus documentos atualizados, agora com a filiação completa. De acordo com a promotora, são registradas nos cartórios do Distrito Federal uma média de 250 crianças por mês sem o registro de paternidade.
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