12/05/2015 17:03 - Fonte: TJ-PR
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.272.731-4, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - VARA DE ACIDENTES DO TRABALHO E CARTAS PRECATÓRIAS CÍVEIS.
APELANTE : LUCIANA DA SILVA
APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RELATORA : JUÍZA DE DIREITO SUBSTITUTA EM 2º GRAU ANGELA MARIA MACHADO COSTA, EM SUBSTITUIÇÃO AO SENHOR DESEMBARGADOR LUIZ CESAR NICOLAU.
APELAÇÃO – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL – INCLUSÃO DE PATRONÍMICO MATERNO – POSSIBILIDADE RECONHECIDA EM SENTENÇA – ORDEM DE INCLUSÃO – IRRELEVÂNCIA – PATRONÍMICO MATERNO QUE PODE SER INSERIDO APÓS O PATERNO – PRINCÍPIO DA IGUALDADE – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À TERCEIROS – INCLUSÃO QUE ATENDE À EXATA IDENTIFICAÇÃO CIVIL DA APELANTE - PRECEDENTES. A Lei de Registros Públicos não traz qualquer ressalva quanto a ordem de inclusão de patronímicos materno e paterno, não sendo ponderável se crer que o patronímico materno somente tenha lugar antes do paterno em primazia ao direito de igualdade de condições previsto nos artigos 5º e 226, §5º da Constituição Federal. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PROVIDO.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1.272.731-4, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Vara de Acidentes do Trabalho e Cartas Precatórias Cíveis, em que é Apelante LUCIANA DA SILVA e Apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.
Trata-se de apelação cível interposta em face da sentença de fls. 88/89-TJ, proferida nos autos de Retificação de Registro Civil n. 0020235-13.2013.8.16.0001, que julgou procedente o pedido deduzido pela apelante, nos seguintes termos:
“Nestes termos, à vista do exposto, julgo procedente em termos o pedido inicial, para efeito de deferir a inclusão do sobrenome do ramo materno ao nome da requerente, que passa a se chamar “Luciana Lirani da Silva”, averbando-se a respeito, para todos os fins de direito e a plena eficácia do decidido, nos respectivos assentos de nascimento (nº 029930, à f. 265 do Livro A-166 do 1º Serviço de registro Civil de Pessoas Naturais de Ponta Grossa, PR – movimento 8.3.) e de casamento (nº 024144, à f. 045 do livro B-130 do 1º Serviço de Registro Civil de Pessoas Naturais de Ponta Grossa, PR – movimento 1.4.).
Em sede de petição inicial, a apelante-autora informou ter interesse na inclusão do patronímico materno “LIRANI” ao seu nome LUCIANA DA SILVA. Assim, de forma fundamentada requereu a alteração do seu nome atual para LUCIANA DA SILVA LIRANI.
Em sentença, o pedido foi julgado procedente alterando o nome da autora para LUCIANA LIRANI DA SILVA, na forma já relatada.
Inconformada, a autora manejou o presente recurso de apelação1 ao argumento de que a ordem do nome pretendida não foi observada na sentença apelada, pelo que requereu seja atendido o pedido de inclusão do nome materno ao final.
Defende que a Lei de Registros Públicos não faz qualquer ressalva quanto à ordem de colocação dos sobrenomes, pelo que requer a reforma da sentença apelada para que seu nome seja alterado para LUCIANA DA SILVA LIRANI. Requereu o provimento do recurso.
O recurso de apelação foi recebido no duplo efeito à folha 124.
O Ministério Público do Estado do Paraná se manifestou contrário ao pedido da apelante, ao argumento de que a inclusão do sobrenome materno somente ao final do nome poderá resultar em prejuízos à identificação dos apelidos de família perante a sociedade. Requereu o desprovimento do recurso de apelação.
Remetidos os autos à Procuradoria Geral de Justiça, esta emitiu parecer pelo provimento do recurso (folhas 147/150-TJ).
Após, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO
Cuida-se de recurso de apelação que se volta contra a sentença fls. 88/89-TJ, proferida nos autos de Retificação de Registro Civil n. 0020235-13.2013.8.16.0001, que julgou procedente o pedido deduzido pela apelante, nos seguintes termos:
“Nestes termos, à vista do exposto, julgo procedente em termos o pedido inicial, para efeito de deferir a inclusãodo sobrenome do ramo materno ao nome da requerente, que passa a se chamar “Luciana Lirani da Silva”, averbando-se a respeito, para todos os fins de direito e a plena eficácia do decidido, nos respectivos assentos de nascimento (nº 029930, à f. 265 do Livro A-166 do 1º Serviço de registro Civil de Pessoas Naturais de Ponta Grossa, PR – movimento 8.3.) e de casamento (nº 024144, à f. 045 do livro B-130 do 1º Serviço de Registro Civil de Pessoas Naturais de Ponta Grossa, PR – movimento 1.4.).
Em linhas gerais, pretende a apelante, unicamente, a inversão da ordem de inclusão do patronímico materno “LIRANI”, a fim de que passe a constar ao final do nome, ou seja, após o patronímico paterno.
Em obediência aos Direitos da Personalidade, o Código Civil prevê, no artigo 16, que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
O nome, segundo o artigo 57 da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), é regido pelo princípio da imutabilidade e somente será alterado em casos excepcionais, e mediante motivo suficiente a justificar a medida, o que, por certo, ocorre na hipótese.
Vale dizer, no caso dos autos a apelante não buscar suprimir qualquer patronímico, o que é vedado pelo ordenamento, pelo contrário, buscar apenas incluir ao seu nome o patronímico de origem materna a fim de que sua identificação civil tenha correspondência exata com a de seus genitores.
Assim como já entendeu o magistrado singular, a pretensa inclusão do sobrenome materno junto ao registro civil da apelante não traduz qualquer perda dos laços de identificação civil desta perante a sociedade. De igual modo há que se pensar que a ordem de inclusão do patronímico materno ao final ensejaria tal problema, em especial diante do princípio da igualdade expressamente consignado na Constituição Federal.
Ora, a Lei de Registros Públicos não traz qualquer ressalva nesse sentido, não sendo ponderável se crer que o patronímico materno somente tenha lugar antes do paterno. Ou seja, se a Lei que rege a matéria não define a ordem de inclusão, não se pode conceber que o costume pátrio de incluir o sobrenome paterno ao final seja a regra a ser aplicada.
Aliás, tal entendimento é reforçado quando da análise do artigo 226, §5º da Constituição Federal que assim dispõe: “§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” Ou seja, o entendimento de que a sociedade é notadamente patriarcal é substituído pelo direito de igualdade, situação esta que deve gerar reflexos inclusive quanto a ordem dos patronímicos junto ao registros de identificação civil das pessoas.
Sobre o assunto, por julgar de clareza solar, transcrevo a ementa do acórdão lavrado na Apelação Cível nº 598 553 212, de Veranópolis, de Relatoria de MARIA BERENICE DIAS, in verbis:
“REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. INCLUSÃO DO PATRONÍMICO MATERNO AO FINAL. Cabível a inserção do sobrenome da mãe após o do pai, o que não encontra óbice legal e vai ao encontro do princípio igualitário insculpido na Carta Magna. Apelo provido, por maioria.”
No voto, a ilustre magistrada e doutrinadora
destaca que “assim entendeu o STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 66.643-SP, cujo Relator foi o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao autorizar a supressão do patronímico paterno, mantendo apenas o materno, em situação de abandono por parte do pai e de estreita ligação com a mãe, tal como ventilado no caso em comento. Sinala o Min. Sálvio que, “se o nome é o traço característico da família, razão assiste ao recorrente em pleitear a retirada do patronímico. Seu pai, como afirmado e reconhecido na sentença, nunca foi presente, nunca deu assistência moral ou econômica a ele e à sua mãe.(...) Ademais, como anotam o já referido Silvério Ribeiro (obra citada) e Antônio Chaves (Direito à vida e ao próprio Corpo – intersexualidade, transexualidade, transplantes, 2ª ed., RT, 1994), manifestar a tendência da jurisprudência, sobretudo estrangeira, na possibilidade de alteração do prenome em caso de transexualidade, para que o Direito se adeqúe à vida. Se se está permitindo a modificação na hipótese, com muito mais razão se autoriza a alteração do nome, que, como visto, não guarda a regra fechada da imutabilidade. In casu, ademais, sequer se trata de mudança de prenome.”
O Superior Tribunal de Justiça não diverge deste entendimento, in verbis:
“RECURSO ESPECIAL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. INCLUSÃO DE SOBRENOME DO PAI. POSIÇÃO.
1. Tanto o art. 57, como o art. 109, da Lei 6.015/73, expressamente, dispõem sobre a necessidade de intervenção do Ministério Público nas ações que visem, respectivamente, a alteração do nome e a retificação de registro civil.
2. A regra geral, no direito brasileiro, é a da imutabilidade ou definitividade do nome civil, mas são admitidas exceções, como as dos arts. 56 e 57 da Lei de Registros Públicos.
3. A lei não faz nenhuma exigência de observância de uma determinada ordem no que tange aos apelidos de família, seja no momento do registro do nome do indivíduo, seja por ocasião da sua posterior retificação. Também não proíbe que a ordem do sobrenome dos filhos seja distinta daquela presente no sobrenome dos pais.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1323677/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2013, DJe 15/02/2013)”
No mesmo sentido segue o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, que, à fl. 149 bem pontuou o seguinte:
“Vale lembrar que a prática da colocação do sobrenome paterno ao final é resquício de uma sociedade patriarcal, sendo que tal postura vem perdendo seu significado a partir do princípio da igualdade entre homens e mulheres, insculpido na Constituição Federal.
Situações como a presente devem ser analisadas tendo como parâmetro a sociedade atual, que não permite qualquer tipo de distinção entre homens e mulheres ou núcleos familiares. Portanto, independe a ordem em que será incluído o apelido materno ou paterno, podendo a parte livremente dispor quanto a esta questão, desde que não haja motivo relevante para impedir tal pretensão.”
Conclusão
Desta sorte, por considerar os motivos indicados pela apelante como suficientes, e amparada no princípio da igualdade, voto pelo provimento do recurso de apelação a fim de que o nome da apelante seja alterado para “LUCIANA DA SILVA LIRANI”.
DISPOSITIVO
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em DAR PROVIMENTO ao recurso.
Presidiu o julgamento o Excelentíssimo Senhor Desembargador MÁRIO HELTON JORGE, e dele participaram a Excelentíssima Senhora Desembargadora JOECI MACHADO CAMARGO e o Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau LUCIANO CARRASCO FALAVINHA SOUZA, ambos acompanhando a relatora.
Curitiba, 18 de março de 2015.
ÂNGELA MARIA MACHADO COSTA
Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau.
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1 Fls. 105/118.