O casamento de Nancy e Robert Ceja, em 2003, teve uma bela cerimônia, com muitos convidados. Só foram um tanto apressados. Obtiveram uma licença de casamento quatro meses antes de o processo do divórcio de Robert Ceja ser concluído. O casal viveu bem no Vale do Silício, na Grande São Francisco, até que o marido morreu em um acidente de construção, em 2007.
A viúva, assim que possível, entrou com uma ação indenizatória contra a construtora por morte que gera responsabilidade civil (wrongful death). Mas a empresa descobriu que a união do casal não passava, na verdade, de um casamento putativo — ou seja, que ainda não foi formalizado, mas produz efeitos precários —, de acordo com o jornal Mercury News.
O advogado da construtora, Robert Harrison, sequer se preocupou com o mérito da questão. Argumentou, desde logo, que Nancy Ceja, apesar de levar o sobrenome do marido, não tem direito de processar a empresa pela morte de Robert Ceja porque, na verdade, nunca foi casada com ele.
Nos Estados Unidos, o casamento putativo é definido como um casamento aparentemente válido, realizado em boa-fé por parte de pelo menos um dos cônjuges, mas que é juridicamente inválido devido a um impedimento técnico, tal como um casamento preexistente por parte de um dos parceiros.
O detalhe técnico incomodou os ministros da Suprema Corte da Califórnia por quatro horas nesta quarta-feira (8/5). Durante todo esse tempo, eles questionaram o advogado da empresa e o advogado de Nancy, Jonathan Davis, porque relutam em destituir de seus direitos legais um dos cônjuges, que realmente acreditavam estar casados, mas que podem não ter tomado todos os passos necessários para que a papelada atendesse a todas as regas da lei estadual, diz o jornal.
Durante a audiência inicial, que os ministros das Supremas Cortes americanas usam para debater o caso com os advogados e pedir esclarecimentos, vários ministros expressaram preocupações sobre o fato de que tal posição absoluta pode punir casais que têm uma convicção honesta e sincera de que seus casamentos são juridicamente válidos.
Além disso, mina a doutrina do casamento putativo, adotada no estado e que foi projetada, desde suas origens, para proteger pessoas contra esse tipo de erro. A ministra Carol Corrigan lembrou ao advogado da construtora que essa doutrina foi especialmente criada para proteger pessoas inocentes ou mesmo potencialmente tolas. A ministra Joyce Kennard concordou: Os tribunais se preocupam sempre em proteger as expectativas das partes inocentes, declarou.
Segundo os autos, Nancy Ceja alegou que jamais teve qualquer razão para pensar que o casamento deles era inválido, porque tiveram uma grande cerimônia de casamento, ela recebeu o nome do marido, tornou-se mãe dos dois filhos dele, que vieram do casamento anterior, e os dois conviveram como um casal normal, até que a morte os separou.
A ação que ela moveu contra a empresa foi rejeitada em primeira instância, mas restabelecida por um tribunal de recursos, há dois anos. O advogado da viúva alegou, na Suprema Corte, que o casal teria repetido o casamento e a cerimônia do casamento se pelo menos suspeitasse que um detalhe técnico passou despercebido.
Os ministros terão 90 dias para descobrir se há uma maneira de proteger os direitos da viúva. Mas o advogado da empresa já lhes indicou que essa será uma tarefa difícil. Há um precedente de 1988, da mesma corte, que parece haver dificultado a pessoas na posição dela de manter os direitos do cônjuge. E ele disse aos ministros que, para decidir em favor dela, eles terão que jogar fora o precedente anterior.
Nos Estados Unidos
Ao contrário do casamento baseado na common law, os casamentos baseados em legislação ou em cerimônias religiosas não garantem ao cônjuge putativo a condição de legalmente casado. Mas mesmo assim, um cônjuge putativo que acredita no casamento feito em boa-fé pode adquirir direitos legais.
Casamentos putativos existem na lei canônica da Igreja Católica e em diversas leis civis, embora as regras possam variar. Em algumas jurisdições, casamentos putativos são uma matéria de jurisprudência (case law), em vez de se originar em legislação. Em muitas jurisdições, sob o Direito Civil, o casamento se torna válido se o impedimento for removido. Se não for, o cônjuge inocente tem, pelo menos, direito a proteções no caso de divórcio, no que se refere a divisão de bens e custódia dos filhos.
Vários estados americanos adotam o conceito da Lei do Modelo do Casamento e do Divórcio para definir a situação do cônjuge putativo por meio de lei. É o caso da Califórnia e também de Illinois, Minnesota e Montana. Os estados de Nebraska, Washington, Nevada e Texas seguem a jurisprudência para definir esse tipo de casamento. Apenas Louisiana, Colorado e Montana se baseiam na common law e formalmente reconhecem o status do cônjuge putativo.
Casamentos putativos, também chamados de casamentos considerados, são reconhecidos ainda pelo programa de Social Security, a Previdência Social dos EUA.
Autor: João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
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