O divórcio é uma natural decorrência do casamento por amor. Antes, quando os casamentos eram arranjados e feitos por diversos tipos de interesse, e a família era muito mais um núcleo econômico e reprodutivo do que o espaço da afetividade, eles não se dissolviam. Aguentava-se até a morte. Amantes e infidelidades tinham que ser suportadas pelas mulheres, cuja resignação histórica é quem os sustentava, à custa da não consideração de seus desejos. Em 28 de junho de 1977 o então senador Nelson Carneiro, o grande responsável por todas as evoluções no Direito de Família daquela época, conseguiu, por intermédio da Emenda Constitucional 9, quebrar o princípio da indissolubilidade do casamento. Esta movimentação pro divórcio iniciou-se na América do Sul pelo Uruguai em 1907, seguido pela Venezuela (1942), Equador (1948), Argentina (1987), Paraguai (1991) e, por fim, o Chile, em 2004.
A importância política e social do divórcio vai além da reafirmação do estado laico. A ele estão atrelados valores básicos que devem sustentar uma democracia: liberdade e autonomia privada. Em 13 de julho de 2010, a Emenda Constitucional 66, proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), por meio do então deputado Sérgio Barradas Carneiro, finalmente conseguiu instalar o divórcio verdadeiramente laico no Brasil. Ela pôs um ponto final às discussões iniciadas na década de 1970, quando o jogo de forças políticas, representadas pela igreja católica, não admitia, como ainda não admite, que um casamento se dissolva em vida. Católico que é católico não se divorcia.
Naquele embate de quase 40 anos atrás, foi necessário fazer muitas concessões para que se aprovasse a Emenda Constitucional que introduziu o divórcio no Brasil. Só se podia divorciar uma única vez, tinha-se que esperar cinco anos de separação de fato para requerer o divórcio e manteve-se o anacrônico e ridículo desquite (expressão substituída por separação judicial) que é uma espécie de purgatório, ou limbo entre casado e divorciado. Mesmo assim, a introdução do divórcio só foi possível porque o presidente da República da época, Ernesto Geisel, não era católico e não simpatizava com as forças antidivorcistas.
O discurso dos parlamentares contrários à simplificação do divórcio em 2010 era o mesmo de 1977, superficial e espiritualmente pobre, agora reforçado pela retórica da bancada evangélica, de que a facilitação do divórcio banaliza e destrói as famílias. Certamente, nem eles mesmos acreditam nessa bobagem, mas precisam se sustentar nos discursos fáceis e que podem lhes render votos. Essas resistências acontecem até mesmo no ambiente jurídico em que se pressupõe que Direito e religião devem ficar em instâncias separadas, para que se possa ter boas religiões e um bom Estado.
E assim se passaram 35 anos de divórcio no Brasil. Quebraram-se resistências, e reafirmou-se o estado laico através de novas medidas e simplificações do divórcio em 2010: não há mais prazos para requerê-lo; eliminou-se o inócuo instituto da separação judicial (apesar de algumas resistências até mesmo entre alguns juristas) e substituiu-se o discurso da culpa pelo da responsabilidade. Em outras palavras, o Estado não procura e não crucifica mais um culpado pelo fim do casamento. Ou seja, em briga de marido e mulher, o Estado não mete mais a colher.
O aumento da taxa de divórcios em 70% entre o ano de 2000 e 2010 é apenas decorrência do amadurecimento da legislação e constatação de que o divórcio anda paralelo às relações amorosas. Compreensível, o sentimento é volátil e quebradiço. O desejo encaminha, mas também desencaminha e o amor às vezes acaba. E os filhos O casal com filhos, obviamente tem uma responsabilidade maior com a manutenção do casamento. Mas isto não significa que deverão ficar casados a qualquer custo. Filhos estarão melhores na medida em que os pais estiverem mais felizes. E afinal, a gente casa para ser feliz e se divorcia, também, à procura da felicidade.
Autor: Rodrigo da Cunha Pereira é advogado, professor da PUC-MG e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
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