TENHO PENSADO ultimamente nas vantagens da poligamia. O amor exige fidelidade e exclusividade
Admito que sim. E também admito que existe uma certa nobreza na velha ideia platônica de que somos seres incompletos, em busca da outra metade que nos falta. Os românticos não inventaram nada. Limitaram-se a ler O Banquete.
Mas, por outro lado, não é justo, nem fácil, nem humanamente possível exigir de uma mulher que ela seja tudo e o seu contrário. Boa amante. Ótima confidente. Excelente dona de casa. Mãe aprumada. Parceira intelectual distinta. Enfermeira nas horas funestas.
A mulher perfeita não existe. Ou, melhor dizendo, ela existe, sim. Só que é composta por várias mulheres distintas.
Anos atrás, em viagem pelo Marrocos, visitei um amigo que me levou a conhecer as suas duas famílias: uma em Casablanca, a outra em Agadir.
A primeira mulher era a encarnação perfeita da sensualidade magrebina -olhos negros, cabelo idem, lábios generosos e carnudos. Cinco minutos bastaram para perceber a função daquela senhora na vida daquele homem feliz.
A segunda mulher era menos exuberante (digamos assim); mas fazia um cuscuz como só voltei a provar em viagem recente ao Nordeste do Brasil. Tão diferentes, mas tão complementares.
Fiquei convencido sobre as vantagens do arranjo. E antes que a leitora me acuse de machismo obscurantista, esclareço já: quem fala em poligamia fala em poliandria.
Nenhum homem pode ser tudo para uma só mulher. Por isso esperava um pouco mais das declarações de Barack Obama sobre o casamento gay -mais do que apenas hélas sobre o casamento gay.
O presidente americano, em gesto inédito para ano eleitoral, disse na televisão que evoluiu sobre o assunto. É agora favorável à união matrimonial de lésbicas e homossexuais, embora deixe para os Estados a decisão final sobre o assunto.
O raciocínio de Obama é conhecido: quem somos nós, a maioria heterossexual e opressora, para negar a felicidade a duas pessoas do mesmo sexo que querem se casar
Eis, em resumo, a essência do pensamento progressista. Um pensamento que os filósofos Sherif
Girgis, Robert P. George e Ryan T. Anderson analisaram no melhor ensaio que conheço sobre o tema: What is Marriage.
O casamento, para o pensamento progressista, é uma mera construção social, sem uma história ou um propósito distintos. O casamento deve apenas basear-se no afeto; e basta que exista afeto entre dois seres humanos adultos para que o Estado reconheça o vínculo matrimonial, distribuindo direitos e deveres pelos cônjuges.
O problema, escrevem os autores do ensaio, é que essa definição sentimental de casamento não pode se limitar a lésbicas e homossexuais.
Se o casamento pode ser tudo o que quisermos, não há nenhum motivo para recusar o privilégio a um homem que queira se unir a várias mulheres. Ou a uma mulher que queira se unir a vários homens.
O próprio Obama deveria saber disso: só nos Estados Unidos, é possível que existam mais de 500 mil relações poligâmicas, informava há tempos a revista Newsweek, citada no ensaio. O número de homossexuais que desejam casar-se é superior a esse número
Talvez. Mas falamos de um princípio, não de uma questão numérica: se 500 mil relações poligâmicas vivem à margem da lei, não devemos também respeitar a felicidade -no fundo, o afeto dessa vasta legião de apaixonados
Por mim, ficaria encantado. Até porque as relações poligâmicas não vivem apenas à margem da lei. Elas são punidas pela lei. Eu invejo o meu amigo marroquino. Mas, se pretendesse imitar o seu modo de vida, casando-me com duas donzelas da minha preferência, a Justiça não perdoaria o crime.
Moral da história O mundo não acaba com os direitos dos homossexuais. E não é possível defender o casamento gay sem defender também todas as outras formas de união conjugal. Abrir uma exceção é abrir todas as exceções. Negar isso é perpetuar a intolerância.
Espero que o presidente Obama continue a evoluir sobre o assunto e nos brinde em breve com a defesa apaixonada que a poligamia merece.
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