Não é novidade para o grande público os avanços da medicina, em especial os modernos procedimentos voltados à reprodução humana, como a inseminação artificial e a fertilização in vitro. Qualquer cidadão mediano sabe da existência destes procedimentos, ainda que de forma rasa. O que ninguém conhece – nem mesmo os operadores do Direito – é a legislação que norteia estes métodos de reprodução humana. Na fertilização in vitro, ou FIV como é conhecida, colhe-se o material dos genitores para a fecundação, que ocorre de forma extracorpórea. Após a fecundação bem sucedida, o casal terá então um ou mais embriões. Aqui nasce uma questão. O que fazer com os embriões remanescentes? O que é legal? Até onde vai a responsabilidade da clínica no armazenamento desses embriões? Diferente de Portugal por exemplo, no Brasil ainda não temos legislação que rege a reprodução assistida. Atualmente nos baseamos na Resolução 2168/2017, do Conselho Federal de Medicina. A referida resolução deixa claro que o único fim da reprodução artificial é o auxílio na procriação humana. Além disso, é proibida a biópsia embrionária com o fim de selecionar o sexo, salvo se comprovada doença na família que pode atingir descendentes masculinos ou femininos, especificamente. Consta ainda que a responsabilidade pela conservação, manuseio, transferência e descarte do material biológico humano, dos que passam pela reprodução assistida, é inteiramente da clínica. Cabe ainda à clínica manter um registro permanente dos pacientes e deixar sempre à disposição para fiscalização do Conselho Regional de Medicina. Mas afinal, o que fazer com os embriões que sobraram após a gravidez de sucesso? Perspectivas éticas e religiosas à parte, atualmente é possível doar para casais inférteis, doar para estudo ou simplesmente descartar. Em todos os casos, como o embrião é formado por material genético de ambos, o casal deve decidir de comum acordo. Quando se opta por doar para outra pessoa, doadores e receptores não podem se conhecer e suas identidades são mantidas em sigilo. Esse sigilo pode ser quebrado em casos excepcionais por motivação médica, e apenas para médicos, que deverão manter segredo quanto à identidade da doadora (se somente óvulo) ou dos doadores (se embrião). Isso evita eventual e futuro processo de reconhecimento de paternidade/maternidade, o que poderá ensejar inclusive problemas sucessórios com relação à herança. Outro fato interessante é que a clínica deve manter os seus registros onde foram feitas as doações. Esta exigência visa evitar que um(a) doador(a) tenha reproduzido mais de duas gestações de crianças de sexo diferentes em uma área de um milhão de habitantes. A Resolução não é clara, mas entende-se que a responsabilidade desse controle entre doadores e receptores com relação aos habitantes da cidade é inteiramente da clínica. Por mais que o Conselho Federal de Medicina tenha se preocupado com essas situações, o modus operandi ainda é frágil, sem legislação regulamentadora. Importante esclarecer ainda que no momento da criopreservação, os pacientes devem manifestar sua vontade por escrito sobre o destino a ser dado aos embriões em caso de divórcio, dissolução da união estável, doenças graves ou falecimento de um deles. Caso essas manifestações de vontade não sejam feitas e haja conflito, a melhor forma de resolvê-lo é judicialmente, o que certamente trará algumas novidades ao mundo jurídico. A ausência de Lei cria um vácuo no que diz respeito aos direitos civis, visto que, neste caso, deixa recair sobre o Conselho Federal de Medicina a responsabilidade sobre cada situação, cuja análise acontece apenas sob o ponto de vista ético. A medicina, portanto, evoluiu mais rápido que o Direito. Cabe agora ao Congresso se debruçar com urgência sobre estas questões, sob pena de, mais uma vez, o Poder Judiciário se ver forçado a assumir a função de legislador. AMANDA SODRÉ PIONA é advogada em Cuiabá, especializada em Direito Médico.