Ao casar a mulher era obrigada a adotar o sobrenome do marido. A Lei do Divórcio tornou a alteração facultativa e admitiu o retorno ao nome de solteiro, no fim do casamento. O Código Civil autoriza a ambos os noivos assumir o sobrenome do outro. Apesar de ditas alterações afetarem a identidade da pessoa, a Lei dos Registros Públicos nunca teve qualquer preocupação com a segurança jurídica. Agora o Supremo Tribunal Federal (STF) assegurou aos transgêneros o direito de alterarem nome e sexo, diretamente no cartório do registro civil. Ao regular a decisão, parecendo pressupor que se trata de pretensão espúria, o Provimento 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), impõe um verdadeiro calvário ao exigir um número descabido de negativas. Dita norma regulatória, no entanto, tem outro efeito. Como passou a existir um procedimento para a alteração da identidade, o mesmo é aplicável também ao pedido de alteração do sobrenome quando do casamento ou do divórcio. São situações que em nada se diferenciam do pedido de mudança do prenome da população trans. Qualquer das mudanças afronta o princípio da imutabilidade identitária e fragiliza a estabilidade das relações sociais. Assim, manifestando um ou ambos os noivos o desejo de adotar o sobrenome do outro; ou, no divórcio, havendo o pedido de retorno ao nome de solteiro, é indispensável exigir certidões dos últimos cinco: do distribuidor cível, distribuidor criminal, execução criminal e de todos os tabelionatos de protesto, bem como das Justiças Eleitoral e do Trabalho. A falta de um destes documentos impede qualquer alteração. E, havendo alguma ação em andamento, o Oficial do Registro Civil deve comunicar aos órgãos competentes, bem como cientificar quem expede RG, ICN, CPF, passaporte e o Tribunal Regional Eleitoral. Ou é assim, ou o Provimento é escancaradamente discriminatório e tisnado de evidente inconstitucionalidade, ao pressupor a má-fé de quem, tanto quanto os noivos e os divorciandos, pretende a alteração registral na busca da felicidade. Maria Berenice Dias, advogada, Presidente da Comissão Nacional da Diversidade Sexual e Gênero da OAB e Vice-Presidente Nacional do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família
"Qualquer das mudanças afronta o princípio da imutabilidade identitária e fragiliza a estabilidade das relações sociais"