Um encontro espiritual e afetivo. É assim que os verdadeiros pais descrevem o momento no qual encontraram os seus filhos pela primeira vez; é assim que as pessoas que trabalham em prol da adoção descrevem a emoção de sua trajetória profissional. É desse modo, com essas palavras, que a psicóloga Maria Tereza Vieira de Figueiredo se exprime.
Natural de Maceió (AL), Tereza Figueiredo atuou durante 21 anos no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), sempre em unidades voltadas ao trabalho da adoção. Ela se aposentou agora em maio. Nesta entrevista, publicada inicialmente na Revista Conecta, a psicóloga fala da experiência no Judiciário pernambucano, de sua vida familiar e de suas impressões sobre o que significa a adoção.
Revista Conecta – Para você, o que significa adoção?
Tereza Figueiredo – Para mim, adoção é a conexão do amor. É o momento em que o seu coração resolveu parir.
Conecta – Em que momento da sua vida pessoal e profissional você teve contato com o tema da adoção?
Tereza – Na minha vida profissional, a temática da adoção aconteceu em 1986, quando fui convidada pelo procurador da Assistência Judiciária, denominação que era atribuída à Defensoria Pública, para implantar o serviço de apoio à adoção nas comarcas de Olinda e Paulista. Na minha vida pessoal, o contato com a adoção aconteceu em 1987, quando aconteceu a minha primeira conexão afetiva, emocional e espiritual.
Conecta – Por quais setores do Tribunal você passou durante o tempo de atuação profissional no Judiciário estadual?
Tereza – Passei pelas 1ª e 2ª Varas da Infância e da Juventude da Capital e também pela Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja).
Conecta – Quais os projetos voltados ao tema da adoção que mais a emocionaram aqui no TJPE?
Tereza – Todos os projetos sempre me emocionaram. O primeiro projeto que elaborei foi o projeto Restabelecimento de Vínculos, na 2ª Vara da Infância, o qual chegou à segunda classificação na premiação nacional da campanha Mude Um Destino, da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB); seguido do projeto de apadrinhamento afetivo, denominado Estrela Guia. Na Ceja, tive a oportunidade de elaborar e executar os projetos Prevenção à Institucionalização Prolongada; Família: um Direito de toda Criança e Adolescente; e Pernambuco que Acolhe. Como colaboradora, participei do programa Conhecer Virtual e, também, do projeto Adoção e Cidadania, feito em parceria com o Gead-Recife. Embora eu não tenha participado da concepção e da execução, há projetos que também me emocionam, como, por exemplo, o Mãe Legal, da 2ª Vara da Infância e Juventude do Recife; e o Acolher, da Coordenadoria da Infância e Juventude de Pernambuco.
Conecta – Qual foi o sentimento de ter participado desses projetos? Você pode compartilhar conosco alguma história de adoção que a comoveu?
Tereza – O sentimento é de responsabilidade e de amor ao próximo. Sinto muita alegria em ter contribuído para a melhoria da vida de muitas crianças e adolescentes. Eu me emociono sempre com todas as adoções concretizadas, principalmente quando são adoções tardias e de crianças com deficiência. A mais recente foi a de um casal sem filhos que adotou um menino de 1 ano e 10 meses com vários problemas de saúde. Ao chegar com o casal na casa de acolhimento, a médica, a enfermeira, a assistente social e a psicóloga da instituição nos aguardavam para discutir os problemas de saúde da criança. O casal ouvia atentamente e no final perguntou: “já podemos levar o nosso filho?”. Afinal de contas estávamos grávidos, e ele nasceu, não importa de que forma!
Conecta – Para você, o que é Justiça Social?
Tereza – É igualdade de direitos e oportunidades; é não permitir que um ser humano sobreviva sem o mínimo existencial.
Conecta – Qual o cenário da adoção em Pernambuco?
Tereza – Pernambuco é um dos cinco estados do Brasil que mais promove adoções. Em minha opinião, vários fatores contribuem para esse quadro, como, por exemplo:
- A divulgação de forma pioneira no país de imagem e vídeo de crianças/adolescentes que continuam nas casas de acolhimento, por falta de pretendentes no CNA. Foram divulgadas no Facebook informações e imagens relativas a 98 crianças/adolescentes, das quais 34 foram adotadas ou estão em aproximação da adoção. Existe também um número significativo de adolescentes que foram adotados através do Programa Adote um Pequeno Torcedor, ação conjunta da 2ª vara da infância e Juventude da Capital e do Sport Clube do Recife.
- O Projeto de Prevenção à Institucionalização Prolongada, que apoia as comarcas no sentido de agilizar a tramitação dos processos relativos à decretação da perda do poder familiar e, consequentemente, conforme o caso, o retorno a família natural ou a inserção em família extensa e/ou substituta, evitando a permanência prolongada das mesmas nas instituições.
- A instalação de diversas varas regionais da Infância e Juventude em nosso Estado, com ênfase para a inclusão, dentre suas competências a de gerir o Cadastro nacional de Adoção (CNA), conforme a Lei Complementar Estadual nº 252 de 2013.
- A implantação do Projeto Acolher, pela Coordenadoria da Infância; e do Mãe Legal, pela 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital.
Conecta – Quais são os fatores mais comuns e que são impeditivos para a adoção e como eles podem ser contornados?
Tereza – Em minha opinião, ainda é a morosidade no julgamento nas ações de destituição do poder familiar. Muitas crianças crescem nas casas de acolhimento enquanto se buscam pessoas da família extensa, que, em alguns casos, nem sabem da existência dessa criança. Hoje existem em Pernambuco aproximadamente 1,2 mil crianças acolhidas à espera de decisões judiciais.
Conecta – Agora, em maio, você se despediu da sua equipe de trabalho e do Tribunal para se aposentar. O que tem a dizer da experiência profissional e humana vivenciada aqui?
Tereza – A minha experiência de trabalho foi maravilhosa, sempre trabalhei com equipes extremamente comprometidas. Sou muita grata a cada um dos colegas que fizeram parte da minha vida profissional. Saudades? Sentirei! De todas as conversas e risadas jogadas ao vento, de tudo o que vivemos e passamos, até mesmo porque dividimos não só uma sala, mas também sorrisos, lágrimas e expectativas. Todos marcaram em definitivo a minha história, contribuíram imensamente para que eu crescesse profissional e, sobretudo, pessoalmente. Quero agradecer por cada segundo dispensado a mim, por cada sorriso, por cada bom dia e principalmente pelo conhecimento partilhado. Estou me afastando com a sensação de dever cumprido. Pretendo continuar na luta da causa da adoção; continuar ajudando as famílias que tanto esperam por um filho e, principalmente, as crianças que precisam de uma família.
Conecta – Qual mensagem você pode passar tanto para quem trabalha em prol da adoção quanto para quem tem interesse em adotar filhos?
Tereza – Tanto para quem trabalha em prol da adoção e para quem deseja adotar, eu deixo pra reflexão a poesia Seu nome é hoje, de Gabriela Mistral:
Somos culpados
de muitos erros e faltas
porém nosso pior crime
é o abandono das crianças
negando-lhes a fonte
da vida
Muitas das coisas
de que necessitamos
podem esperar. A criança não pode
Agora é o momento em que
seus ossos estão se formando
seu sangue também o está
e seus sentidos
estão se desenvolvendo
A ela não podemos responder “amanhã”
Seu nome é hoje.
Conecta – A adoção faz parte da realidade da sua família? Se sim, como é a experiência?
Tereza – A adoção faz parte da minha família. São cinco filhos, quatro netos, todos adotados sem distinção da forma como foram paridos. Eu adotei também o meu marido* desde o primeiro momento em que o vi, isso há 44 anos. Ele também diz que me adotou ardorosamente desde o primeiro momento, embora diga que eu sou a filha mais trabalhosa.
*Tereza Figueiredo é casada com o desembargador Luiz Carlos Figueiredo, coordenador da Infância e Juventude de Pernambuco.