“Nome” me tem sido relevante há alguns anos desde que, em razão do trabalho com infância, comecei a participar de grupos interinstitucionais sobre o tema.
Desde então, descobri que o direito ao nome está associado a direito da personalidade e se presta a identifica a pessoa para si, a identificar a pessoa perante a sociedade e perante um núcleo familiar. Nome é, assim, essencialmente um direito fundamental.
Nome toda pessoa sempre teve nesse país. O problema é que nem toda pessoa tinha registro civil, porque em apenas em 1997, com a Lei n. 9.534 o primeiro registro civil de nascimento passou a ser oficialmente gratuito para todas as pessoas.
Veja-se: todas as leis existentes até essa data previam a existência de custas e emolumentos para a realização do registro civil no prazo de 15 dias a contas do nascimento; ou de multa, caso o registro ocorresse após o prazo.
Por certo, no contexto de uma população colonizada, vulnerável e/ou pobre, e em algumas circunstâncias distantes dos ofícios registradores, havia muitos casos de famílias inteiras sem registro civil de nascimento.
Mas o que de fato significa não ter registro de nascimento? Significa não ter existência formal perante os órgãos públicos e não ter acesso aos serviços públicos mais básicos, como educação e saúde. Na lógica do atendimento público, como se poderia assegurar direitos a pessoas que formalmente não existem ou que eu não posso comprovar que são elas mesmas?
Daí se consegue entender a essencialidade do nome como identificação e visibilidade social. Só se é pessoa, com direito, depois da aquisição formal de um nome com o registro civil. Atualmente, a lei assegura a gratuidade do registro, a qualquer tempo, aumentando o grupo de pessoas com acesso a direitos.
Uma vez existente o nome, esse é imutável. Ou seja, não pode ser alterado, como regra.
Essa regra, contudo, admite exceções. Duas delas são drásticas: adoção (art. 47, § 5º, ECA) e ingresso em programas de proteção de testemunha (art. 57, § 7º, da Lei n. 6015/73) permitem a total alteração do nome (prenome e nome de família, ou, no popular, nome e sobrenome).
A lei também faculta a alteração do nome (prenome) para incluir apelidos notórios (art. 58 da Lei n. 6.015/73); e a do sobrenome (nome de família), para (a) incluir nome de casada ou em razão de união estável, ou retirá-los em razão de divórcio ou dissolução de união estável, (b) adotar o nome do padrasto ou madrasta (art. 57, 8º, da Lei n. 6.015/73); (c) incluir, no primeiro ano subsequente ao da maioridade, um nome de família (art. 56 da Lei n. 6.015/73); (d)alterar por outros motivos, desde que motivadamente e após sentença judicial (art. 57, caput, da Lei n. 6.015/73.
A quantidade de exceções permite questionar se a alteração é de fato a exceção, ou se, atualmente, a adequação entre a identidade pessoal e social e a realidade do registro não são, de fato, a regra; e a imutabilidade, a exceção.
Tanto que, reconhecendo o caráter personalíssimo e fundamental do direito ao nome e à adequação entre pessoalidade e sociabilidade, o STF entendeu ser possível a alteração do nome das pessoas transexuais no registro civil, ainda que não submetidas a cirurgia de reindentificação sexual.
Nesse mesmo sentido, há experiências concretizadas por defensorias públicas de registro civil de indígenas e outras populações tradicionais de reconhecimento de suas origens, permitindo que adotem, formalmente, as suas comunidades como local de nascimento e seus nomes tradicionais como nomes registrais. Cuidam-se de projetos e programas que nada mais fazem do que efetivar o direito à identidade como direito fundamental de identificação social e pessoal.
Apesar da fundamentalidade do direito ao nome, o acesso a direitos públicos não depende só dele. O debate sobre subregistro, isto é, o acesso à documentação básica, se inicia no registro civil de nascimento, mas avança sobre o CPF, título de eleitor, carteira de trabalho, carteira de habilitação, certificado de reservista e passaporte, todo documentos que, no seu campo, permitem o acesso a exercícios específicos de cidadania.
Dito tudo isso, e não havendo dúvida quanto à essencialidade do nome e do seu registro para o exercício de direitos civis e públicos, ainda existam pessoas que não saibam desse direito ou que não consigam exercê-lo. Essa realidade concreta existente no país exige que as instituições do sistema de justiça promovam esforços concretos para a superação desse óbice e o reconhecimento de direitos os mais amplos possíveis a todas as pessoas que habitam esse nosso país.
Esse é o objetivo que a campanha de 2018 da ANADEP – Associação Nacional de Defensores Públicos Estaduais pretende auxiliar no combate, e assim contribuir para a ampliação do acesso a serviços pelo mais amplo conjunto de pessoas. Afinal, onde se veem pessoas, existem potenciais cidadãos.
Elisa Cruz é Defensora Pública no RJ. Professora de Direito Civil na UFRJ, EMERJ, FESUDEPERJ e PUC-Rio.